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O que é alegria?
Esta semana conversamos e refletimos sobre as relações disfuncionais que dificultam o caminhar mais adaptativo e, porque não, alegre entre os membros das famílias.
A palavra alegria foi amplamente questionada por alguns pontos de vistas que nos amparam e normalmente nos norteiam: O que seria alegria ou felicidade pelo ponto de vista do existencialismo? Pelo olhar neuropsicológico, alegria seria um excesso de serotonina e de dopamina causando uma mescla de euforia e bem estar, respectivamente? Estaríamos diante deste sentimento quando eventos sociais nos dessem respaldo dizendo que estamos certo e a alegria seria um reforço social do que é mais comum a todos de se fazer e viver? Seria quando vivêssemos prazeres como um beijo, sexo ou comêssemos algo a tempos desejado e adiado (algo mais parecido com “matar a vontade”)?
Em um livro muito bem escrito divido em áreas do conhecimento como a psicologia, a psiquiatria e a neurociência, o autor, psiquiatra e psicanalista Yorvel Yoram, no livro O inimigo no meu quarto, discute o conhecimento produzido por estas três áreas e suas contribuições para a psicoterapia.
Em um dos capítulos ele nos ajuda a responder a pergunta que fizemos acima. O autor descreve que atendendo uma mulher que apresentava uma depressão grave e impossibilitava a paciente de tomar decisões rápidas e importantes para a vida dela naquele momento, é interpolado violentamente pela paciente quando sugere o início do uso de antidepressivos para ajudar no tratamento. A paciente muito irritada pergunta se aquela alternativa não seria o mesmo que lhe dar pílulas para a felicidade, mas que na verdade não era ela que estava no comando de sua felicidade, era artificial.
O autor então dedica algumas páginas para refletir o que seria felicidade em nosso campo. Como rapidamente observamos neste dia de supervisão, a discussão sobre o tema pode levar intermináveis horas, dias e até mesmo séculos, porque até mesmo os termos alegria e felicidade sofrem constantes mudanças dependendo de que momento e cultura falamos e estamos inseridos.
Durante a leitura destas páginas, o autor nos ajuda a criar uma territorialização, um campo de sentido e ponto de partida para nortear nossa discussão. Yoram em umas de suas tentativas de minimizar a agressividade e desespero da paciente e, aliar-se a parte saudável dela e não a depressiva, diz que o tratamento que iniciavam não tinha como objetivo principal trazer-lhe felicidade ou alegria mas, sim, aumentar a possibilidade, recursos e principalmente o poder de escolha da paciente.
Aumentar o poder de escolha dos pacientes!!!! Uma frase impactante, de força, extremamente forte, imensamente carregada de alívio.
Porque alívio? Nos retirou o peso e o falso caminho de respondermos o que seria a felicidade. Poderíamos entrar no caminho das instituições (como as eclesiásticas e as militares, por exemplo) que pregam uma verdade e divulgam um caminho certo para se percorrer na vida dizendo o que é o melhor. Sabemos que neste jogo de poder, permeiam interesses muito diferentes do que os de felicidade e preocupação com a vida daqueles que seguem fielmente estas instituições. Como diriam algumas correntes institucionalistas, inclusive o Psicodrama, que estes interesses estariam muito mais a favor da dominação, exploração e mistificação que ajudam na perpetuação das relações de massacre e de controle de um grupo-povo o que na busca pela felicidade.
Enfim, durante um bom tempo desta supervisão paramos para refletir que a felicidade e alegria talvez pudessem ser consequência, uma espécie de sub-produto do aumento do poder e possibilidade de escolha de uma pessoa ou de um determinado grupo.
Ficamos aliviados com a possibilidade de nosso trabalho não partir de e para uma catequização, mas sim na ajuda de retirar os obstáculos que impedem o crescimento e poder de escolha de alguém e na articulação de propostas entre um grupo que aumente o poder de escolhas, atitudes e ações de um grupo.
Finalizamos a supervisão refletindo sobre como os membros estavam se sentindo e que reflexões sobre nossas experiências relativas a diminuição ou amplitude de escolhas poderíamos compartilhar.
Penso que podemos resgatar nos atendimentos com os nossos clientes, momentos de prazer que ele relatam, porém, não se atentam que sentiram felicidade. Hoje, infelizmente, felicidade não é um sentimento (sensação), mas sim, esta sendo substituido por objetos. Não é a toa que não nos surpreendemos mais quando nossos clientes ficam satisfeitos pelos momentos que desfrutam nos atendimentos. “Como é bom vir aqui, depois que saio daqui me sinto mais leve”. Isso por um lado é bom, mas por outro, me sinaliza o quanto “empobrecidos” estamos ficando. Estamos ficando confinados em quatro paredes (protegidos pelo sigilo profissional) para sermos (com dificuldade) o que queremos ser enquanto pessoa.